quinta-feira, 3 de julho de 2008

A surdez e o transporte coletivo

Entre os portadores de deficiências talvez os menos lembrados sejam aqueles que têm redução de capacidade auditiva. A mídia mostra com mais ênfase as pessoas que se apresentam nitidamente diferentes, esquecendo o drama de muitos que até não dão entrevistas por efeito da dificuldade de comunicação. Essas limitações se refletem na falta de cuidados que quase todos poderão sentir, se viverem o suficiente. O envelhecimento pode trazer problemas auditivos em pessoas já habituadas a ouvir normalmente. Nesses casos o desafio maior é a dificuldade de adaptação do idoso, levando-o ao isolamento até em conversas entre amigos.
No transporte coletivo urbano, interurbano e em todas as espécies de sistemas é fácil ver que esqueceram o surdo. Os sistemas de comunicação de emergências e operacionais dinâmicos, quando existem, principalmente em rodoviárias e terminais urbanos, são à base de alto-falantes, freqüentemente operados de forma tão precária que até as pessoas sem restrições auditivas encontram dificuldades de entender.
Felizmente a tecnologia é uma ciência que apresenta mais e mais recursos a favor da sobrevivência humana. É fácil e já não tão caro fazer e instalar painéis dinâmicos de comunicação escrita, ou, pelo menos, com sinais convencionais de alerta. Esses painéis deveriam ser colocados em pontos estratégicos, escolhidos criteriosamente, de modo a serem visíveis pelo maior número de pessoas, e com letras e sinais suficientemente grandes a compensar problemas visuais.
Alegar falta de recursos é algo difícil de aceitar quando vemos o luxo adotado pela Infraero em nossos aeroportos. As rodoviárias brasileiras são um caso de polícia, ruins para todos. Isso não significa, contudo, que devemos aceitar o que existe, afinal, basta existir alguma oportunidade de festa e mídia para governadores e prefeitos descobrirem recursos para enfeitar os lugares e circuitos dos “formadores de opinião” além fronteiras.
O deficiente auditivo precisa ver, ter luz, enxergar para compensar problemas de compreensão sonora. Isso também implica na qualidade da iluminação, na necessidade de prever contatos visuais até em locais reservados, como os banheiros públicos. Podemos e devemos imaginar situações em que a pessoa carente de assistência precisa ser descoberta e ela ter condições de se fazer anunciar. Afinal, temos ou não bons arquitetos, engenheiros e outros profissionais que planejam e constroem nossas cidades?
É nas cidades que sentimos a necessidade de mais cuidado com o idoso e o portador de deficiência(s), de modo geral. Somos um país com um povo onde predominam pessoas jovens ou adultos recentes, gente que ainda não sabe o que é ter limitações motoras, sensoriais e, ou, mentais. Um exemplo disso é o desprezo pelas calçadas, que além de mal feitas, abandonadas, são espaços de estacionamento de automóveis de indivíduos incapazes de compreender a importância desses circuitos para os pedestres, mais importantes, com certeza, para aqueles que têm restrições naturais ou adquiridas.
O transporte coletivo, entre as muitas atividades a serviço do povo, pode e é um sinal da sensibilidade de governantes que precisam entender que nosso maior problema é simplesmente sobreviver em ambientes tão hostis quanto estão ficando as cidades. Não precisamos procurar causas estranhas e complexas para morrer, para ficar isolados, é na rotina da vida urbana que descobriremos a violência e a omissão de nossas lideranças.
Concluindo queremos desafiar a todos a se mobilizarem a favor dos portadores de deficiências, e em nosso caso, em defesa dos deficientes auditivos. Há muito a ser feito e as soluções não são impossíveis. O fundamental é conscientizar os planejadores e gerentes de ruas, estradas, parques, rodoviárias, veículos, etc e aqueles que operam e transitam por esses equipamentos, lembrar-lhes que existem seres humanos que perderam ou nunca tiveram audição normal. Tendo consciência e boa vontade saberemos melhorar a vida dessas pessoas e de todos aqueles que viverem o suficiente para atingir a idade em que perdemos as qualidades físicas que talvez tenham marcado nosso comportamento mais juvenil.

Cascaes
16.3.2006

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